domingo, outubro 25

Coisas de ser criança (1) - Pensamentos na minha cabeça (a propósito das dificuldade em dar atenção).



Todos os dias me acontece: A mãe chama:


- “Lourenço, vem tomar o pequeno almoço”. Lá ao longe eu ouço a voz dela. Sei que devo ir e encaminho-me corredor fora para a cozinha. O corredor é grande. A direito segue o caminho. Quantos passos acham que dou para lá chegar? Vou tentar adivinhar… ora, o corredor tem cerca de (acho eu que só tenho 7 anos e ainda não sei medir) 3 metros. Se cada um dos meus passos medir cerca de 20 centímetros (ouvi esta dos centímetros no outro dia ao senhor Manuel, quando veio cá a casa colocar o rodapé no corredor… deve ser isso mais ou menos o que mede um pé que calça o 25), então… deixa ver… bolas, acho que não consigo descobrir isto.
-  “Mãe… quantos centímetros tem um metro?”
- “Lourenço, por favor, já te disse, vem tomar o pequeno almoço”.
- “Sim, mãe, mas quantos centímetros tem um metro”.
- “Por favor, Lourenço, porque é que isso é agora importante?. Está bem, tem 100. Agora despacha-te”.
“Boa, se tem 100 e o meu pé 20, então …. Já sei chego lá em 15 passos.”.
Outras vezes é assim:
- “Lourenço, tens 7 anos e és sempre o último dos teus irmãos a vestir a roupa para ir para a escola. Como é possível que uma criança de 5 e outra de 2 sejam mais despachados do que tu”?
- Desculpa, pai. Estava aqui a  pensar que …
- Vá lá, Lourenço, veste-te. Senão vamos atrasar-nos…”
- Sim, pai.
O que me acontece, eu não percebo. Os meus pensamentos são muito fortes. Misturam-se cá dentro a fazer contas, a imaginar viagens e a calcular como é que as coisas acontecem na vida real. Por mais que me esforce, os pensamentos não vão embora. Vivem no meu cérebro e fazem imenso barulho quando tento não lhes dar atenção para ouvir o que o pai ou a mãe me pedem. Na verdade, sempre que me pedem alguma coisa, estes meus pensamentos ficam a ouvir o que eles dizem e logo têm ideias que me obrigam a ficar a pensar nelas e a esquecer-me de fazer o que me pedem.
Gosto de pensar. O mundo á minha volta está sempre a enviar-me mensagens. Ora são os carros que passam e me ponho a fazer contas de quantos são os azuis, ora são as escovas de dentes que se alinham com os copos e as pastas e me pedem para ver o que resulta se multiplicar uns pelos outros, ora são as lâmpadas do corredor que gosto de dividir em grupos iguais. Muitas das coisas que vejo me fazem pensar que posso fazer contas com elas: somar, multiplicar, dividir… E eu gosto de fazer contas. Gosto de ver que o mesmo resultado pode ser atingido de diferentes formas e imaginar quantas mais maneiras há de ir ao mesmo resultado. E quando fico a pensar nisso esqueço-me do que me acabaram de pedir.
O meu mundo está cheio de números. As coisas transformam-se sempre em números, mesmo que eu não queira. Tudo se pode somar, ou subtrair. Tudo se pode multiplicar e transformar num outro número. Basta apenas pensar um pouco sobre isso. Gosto mesmo porque sei que os números se podem transformar naquilo que queremos e podemos fazer imensas histórias com eles. Os números são como as minhas peças de LEGO. Alinham-se, encaixam-se, transformam-se. E há sempre um qualquer resultado. Depois, os números são previsíveis. Ainda que possa brincar com eles, sei sempre no que vai dar. E pensar sobre isso é muito giro.
Sei que por vezes pareço estar distraído. Que não faço o que me pediram. Que me atraso. Que me esqueço de vestir as camisolas e as calças. Que sou sempre o último lá em casa. Que o pai e a mãe ficam  tristes, com aquele ar surpreso a olhar para mim como quem pergunta onde estou. Sei tudo isso.
Mas gosto muito deles. Do pai, da mãe e dos meus manos. São 4 e comigo 5, lá em casa. Tão simples: 4+1=5. E este 5 é a minha família. Pois, a vida são números, a minha cabeça são números a ferver e quando fervem tenho de fazer alguma coisa com eles.
Pai, 1 abraço para ti; Mãe, dois longos beijos com muito amor; Mano, 3 chupas que és guloso; Mano Pequeno, 4 chuchas para não chorares. Ao todo 10 coisas boas para a minha família…


Lourenço


Escrito em 16 de Outubro de 2009

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